domingo, 9 de maio de 2010

Não faças cara de má, que os meus olhos já são velhos.

Sempre tão fácil escrever sobre ti. Não fosse eu mulher e ler-me, seria quase fazer-te um filho, num canto qualquer. Tinhas uma violência canina quando andavas em esforço, de salto alto, e eu desejava tanto saber escrever naquele momento, que acabava muitas vezes por fazer roçar o bico da minha caneta sobre a pele do papel. Era quase erótico. Enquanto batias o salto no chão duro, eu roçava o bico da caneta na pele mole. Não sentias nada, não é? A literatura só se sente quando vives qualquer coisa depois de a descobrires lida. Às vezes, escrevia-te vidas e dizia-te para as comeres depois - sempre foste trémula a morder - mas eras tão pública, que não te aproximavas de mim, como eu escrevi um dia, que tu te aproximarias.
Convidavas-me sem graciosidade para te tocar e eu banalizei as mãos tantas vezes no teu pensamento, que o meu corpo se aborreceu, num dia de Inverno, quando precisava apenas, de falar contigo.